Ser-se português é, como disse Agostinho da Silva, uma questão «de ser-[se], ou não, à maneira portuguesa. É ser variadíssimas coisas ao mesmo tempo e por vezes coisas que parecem contraditórias. É a possibilidade de encarar um tema e de o encarar de várias maneiras, conforme a época em que viveram, a linguagem que utilizavam, a maneira que se sentiam na vida.» É a constante dialética na luta entre o humano e o divino, a dualidade entre matéria e espírito, místico e racionalista simbolizada na encarnação histórica (avatares) de D. Nuno do Hospital (São Nuno Álvares Pereira), Afonso Henriques e de outros grandes mestres e artesãos da nação lusitana.
Como prova a nossa história, Portugal é um país de santos, poetas e heróis – o espírito (causa/pensamento), a alma (ato/vida) e o corpo (efeito/ação) da Nação –, quinta-essência dos quatro temperamentos «ideais» da filosfia naturalista da Antiguidade e da doutrina dos humores hipocráticos, associados aos quatro elementos empedoclianos: terra, água, ar e fogo, ligados a um determinado tipo sanguíneo e a um perfil tradicional, cultural e espiritual. (Por uma questão de espaço não desenvolveremos a relação entre elementos, alimentos e sangue; embora de grande relevo para a compreensão dos temperamentos («cada um é aquilo que come»), o estudo desta relação fica para mais tarde).
A combinação destes 4 elementos, que são responsáveis pela têmpera dos portugueses, é o fundamento do mundo material. A essência provém da sua justa transformação na economia da era e sublima a dualidade entre deus e diabo ou a bela e os monstros – o ser e o parecer, transversal a povos e mitologias de todos os ciclos da história da civilização terrena. O português, como povo humanista, pratica as virtudes com grande fé e com esperança de que o mundo será sempre melhor, sem se esquecer de praticar a caridade com aqueles que, por qualquer motivo se encontram num degrau inferior da escala diatónica do horóscopo pessoal – e que, ciclicamente, têm vindo a representar a nação ao longo da secreta história deste povo. É com todos estes elementos que se irá operar a transformação, de onde surgirá a essência da arte de ser português – veiculada pela tradição açoriana e isabelina do Santo Espírito e pela simbologia popular do signo-de-salomão. A nossa religiosidade íntima (peculiar) é um misto de influências das três religiões do livro (e influências pagãs) com a conjugação dos elementos estampada na cruz de David (a oposição/complementaridade entre terra/ar e água/fogo). Cada um dos 4 elementos está tradicionalmente, no Ocidente, ligado a 3 signos zodiacais, regidos pelos sete planetas/metais da alquimia e das mitologias – que conta a vitória (e desventuras) dos heróis na tomada dos castelos, a vida pacífica (por vezes, atribulada) dos poetas que não fazem castelos no ar e a abnegação (ascética) dos santos, por vezes com ar de guerreiros. São três as escalas musicais (fá do sol) para tocar o fado e três os fados (castiço, fadista, faducho) a cantar a nossa saudade de ser o que somos (brandos costumes) e ainda o que os nossos antigos não foram nem . Cada uma das notas dá a tónica das sete virtudes (e tantos «pecados» por vezes cometidos com a ambição de possuir selvaticamente o mundo dos outros) de um povo humanista, fraternal e místico, por vezes brutal e descrente consigo mesmo, esquecendo-se do mito que o Velhos dos Restolhos contava e avançando a passo seguro na senda do Novo Império –, onde as tradições ligadas aos cultos de Zaratustra, Lao-Tsé, Confúcio, Mitra, Mani, Buda, Cristo, Maomé e todos os grandes iluminados que escreveram a história ideológica da época (ou da era), serão no futuro uma espécie de síntese dos seus ensinamentos nas trovas de um Bandarra da estirpe de Camões e de todos os notáveis arquitetos do património cultural das letras lusas.
Não aprofundaremos mais o simbolismo da numeralogia para não nos perdermos nos carateres dos 12 signos e casas zodiacais ou no dédalo da interpretação astrológica da horoscopia ocidental, onde cada um dos nativos é uma peça-chave da longa cadeia entre passado e futuro. O presente é sempre o elo entre as evocações da memória e as invocações da imaginativa da história futura.
Neste esboço dos 4 arquétipos nacionais básicos, irão ser descritos, um a um, os quatro temperamentos (como tipos ideias, digamos) que formam a alma da nação e de onde se extrai a essência da arte de ser português –, deixando de lado as várias gradações (e combinações) possíveis dos elementos que os constituem. (O Quinto Elemento é a resultante espiritualizada de cada um, uma espécie de perfeição a que chegam os monges, as crianças e os eleitos de todos os tempos – a paz interior que irradia do brilho onde reina a lei por entre a grei da aldeia global e fraternal. Mais lá para a frente voltaremos à carga com a importância e a clivagem entre o material do Ocidente, apoiado nas colunas de um Hércules que se esqueceu dos ensinamentos, e o Oriente (mais) espiritual, ancorado na tradição de mais um elemento – que por cá se conta como os cinco sentidos).
FOGO
Estão associados e este elemento os nativos do Carneiro, Leão e Sagitário – o conquistador (herói, cavaleiro e guerreiro). De temperamento colérico, estão relacionados com o tipo sanguíneo AB (o mais recente na história filogenética da humanidade) e mostram-se fervorosos combatentes e fogosos heróis que têm vindo a defender a pátria com suas espadas flamejantes e o seu espírito indomável. São ainda os ferreiros e alquimistas que forjam as armas da vitória e os grandes comandantes de exércitos que, apesar de, por vezes, estarem em minoria, vencem pela estratégia e pelo valor dos destemidos soldados que disciplinadamente obedecem aos seus chefes. Alguns têm maus fígados (podendo ser cruéis e fustigados pela ira divina), mas iluminados pelo fogo do espírito, estes místicos mantêm acesa (na forja) a chama viva da liberdade: sua, e do povo que, com amor, representam e defendem. Brincar com o fogo é tendência de alguns destes ardentes obreiros do lar pátrio, de onde irá irradiar a luz, um dia, com todo o seu fulgor...
A sua virtude correspondente é a prudência com que o herói (de coração de leão) irá mostrar a sua bravura, e a sua cor o vermelho; no tarô corresponde ao naipe de paus (a «sarça ardente») e ao signo do Leão), e é o cetro do comando (ou «varinha mágica»), que simboliza o poder gerador masculino. Pai.
Expressões:
• Casa sem fogo, corpo sem alma.
• A ferro e fogo.
• A luz, onde está o fogo, aparece.
TERRA
A terra é representada pela grei, que foi sempre a última a dar a palavra (vox populi) em questões fulcrais como a manutenção da independência ou no sustento quotidiano da própria nação. Com um comportamento terra-a-terra e associados ao tipo de sangue mais antigo, o O, estes portugueses, tal como O Lavrador vão arando os campos e cultivando o espírito, «agarrados» ao solo pátrio e à vontade inquebrantável de colher os frutos do seu labor em prol do seu bem-estar e do dos seus compatriotas, presentes e futuros. O temperamento destes portugueses é tipicamente melancólico – aquele que perde o familiar na carreira das Índias ou de outra hybris qualquer, mas também aquele que possui a vontade que move montanhas e que tem bem assentes os pés na terra (a melancolia deve levar à esperança – não tristeza!). São também os que extraem do solo os minérios, que depois de trabalhados (pelos ferreiros — fogo/água) servirão para romper e amanhar as terras férteis do mito e das lendas (dos alquimistas — terra/ar). E ainda os lavradores que enchem os celeiros para alimentar a comunidade ética e esteticamente, donos de propriedades e bens
A idade da Terra é um assunto controverso que já vem dos mitos gregos e de outras civilizações; mas a terra continua a ser o nosso habitáculo material, o nosso corpo — ossos, que vêm do pó e ao pó voltarão.
Os signos correspondentes a este elemento são o Touro, a Virgem e o Capricórnio – o mercador (lavrador, artífice e construtor) –, diferentes «gradações» das forças da natureza (terra-mãe) no seu ciclo eterno.
A sua virtude correspondente é a fortaleza com que se edifica a morada do espírito e a sua cor o preto; no tarô corresponde ao naipe de ouros (o «metal») e é o que faz a síntese do ternário na unidade. Trindade ou tri-unidade (Família).
Expressões:
• Não há boa terra sem bom lavrador.
• Quem compra terras, compra guerras.
• A gente não come terra, mas a terra come a gente.
AR
De temperamento sanguíneo, nervoso, os nativos de Gémeos, Balança e Aquário – o intelectual (teórico, poeta e filósofo) – são ideólogos, utópicos e comunicadores que fazem circular as ideias e os pensamentos matriciais que formam a alma da pátria. O seu grupo sanguíneo, A, faz deles os vegetarianos natos e os pacifistas (e pacíficos) por natureza, que elevam às alturas o sonho de voar nas passarolas da inventiva humana (ícaros — ar/terra). São ainda os grandes oradores e utopistas, que escrevem a história do futuro nas suas profecias, inspirados pela brisa suave da saudade de um dia virem a ser os mensageiros da paz, ou os músicos virtuosos que recebem o sopro dos ventos do «caos» celeste e que captam os sons da harmonia das esferas do espaço sideral. Há, entre eles, sangue quente (ar-fogo), na guelra e na raça dos grandes trovadores e arautos da história etérea (secreta) da nação, passado e futuro. Outros parecem andar com a cabeça nas nuvens (ar-água) que fertilizam o corpo das trovas e o espírito da nação, sempre à espera que o mito se torne história futura – desfeito o nevoeiro do labirinto dos altos voos da utopia da aldeia global.
A sua virtude correspondente é a Justiça que pune e absolve e a sua cor o azul; no tarô (e nas cartas de jogar) corresponde a espadas, o gládio evocador do verbo («glaive de l'éloquence»), arma que desenha uma cruz, evocação da união fecunda entre os princípios masculino e feminino –, ou seja, a justa proporção entre os dois pratos da balança. Filho
Expressões:
• Quem vai ao ar, perde o lugar.
• Construir castelos no ar.
• Ser um(a) cabeça no ar.
• Ar e vento é bom alimento.
ÁGUA
Portugal nasceu e desenvolveu-se sob o signo deste elemento e, tal como o Caranguejo, o Escorpião e os Peixes – o místico (santo, profeta e navegador) –, o seu temperamento é fleumático, linfático, e o seu grupo sanguíneo é do tipo B. Versátil e escorregadia, a água é o elemento da vida e «o sangue da terra», o mercúrio filosófico, da conceção ao mar fértil da consciência; sonhador por excelência, o nauta atravessa o vasto oceano do seu inconsciente à procura do cálice sagrado, da fonte da juventude e/ou dos campos verdes da esperança de alcançar porto seguro, guiado por Vénus. Está relacionado com o tipo B e é o artista e ator, mas também o moralista e o sacerdote que derrama a água do batismo sobre a cabeça do neófito. O seu espírito é representado por todos os grandes navegadores e marinheiros que deram novos mundos ao mundo e também pelos visionários e pregadores que, subtilmente, vão passando a mensagem até ela conseguir os seus intentos. («Água mole...»). Há ainda os que fervem em pouca água e aprendem com a experiência dos antepassados a lição do futuro fértil para a terra que ainda um dia vai «cumprir seu ideal».
A sua virtude correspondente é a temperança necessária à manutenção da saúde e a sua cor o verde; no tarô corresponde ao naipe de copas (o «cálice divinatório») e ao arcano XIV, a Temperança (gráfica e simbolicamente relacionada com o signo do Aquário), e está ligada à recetividade feminina – intelectual e física. Mãe.
Expressões:
• A água rega, o Sol cria.
• Águas paradas não movem moinhos.
• A água de nevão dá pão; a do trovão em parte dá e em parte não.
• Águas mansas não fazem bons marinheiros.
Citando António Quadros:
Recorrendo à metáfora camoniana, assistimos nos últimos anos à vitória do Velho do Restelo sobre o Gama, o mesmo é dizer, da terra sobre a água e sobre os elementos aéreo e ígneo. (…) O que parece dominar hoje em Portugal é a face negativa, nocturna, decaída do arquétipo, do modelo ou da imagem sublimatória que o português já teve de si próprio e o levou a ousar rasgar os seus trilhos na superfície do mundo ou da vida. (…) Vivemos hoje um período de menoridade e de adolescência regressiva em que, predominando o intelecto passivo, as pessoas se auto-satisfazem e auto-iludem com os lugares-comuns ideológicos, com os discursos demagógicos e com as ideias convencionais de gerações que, para repudiarem um certo tipo histórico de nacionalismo, perderam a própria identidade e já não sabem quem são ou para que são, como portugueses.
A esta menoridade e adolescência regressiva não será alheio aquilo a que António Quadros chama o nosso «auto-envenenamento mental», criado pelo não acreditarmos em nós próprios, «no que somos e valemos, no nosso pensamento e na nossa cultura». O que tem a ver com a lei do menor esforço, ou seja, em vez de criarmos algo de novo, a partir do que somos (fomos), preferimos importar, copiar ou a adaptar, ao mesmo tempo que nos «autocriticamos sem medida e nos negamos». Este será, digamos assim, o caráter geral português com que todos somos confrontados, por vezes; no entanto, a nossa força anímica tem demonstrado que é sempre possível transcender este negativismo (e apatia) de modo a superarmo-nos e a mostrarmos a nossa verdadeira índole de povo eleito no concerto das nações.
Será com os verdadeiros portugueses, aqueles que «encarnam» estes quatro temperamentos lusitanos (e igualmente se manifestam nas suas variantes e matizes) que iremos desbravar o caminho da história futura – o aclamado V Império, baseado na herança dos valores espirituais e culturais da Nação portuguesa –; os outros, os renegados e traidores (a antítese dos quatro «modelos ideais»), tal como tem mostrado a história ao longo dos tempos, terão o fim que merecem!...:)
Os pilares da fundação mátria assentam num plano que cavaleiros templários desenharam para o povo primus inter pares dos mitos ocidentais; autoridade moral e poder temporal, plano delineado pelo criador da terra «portogaliza» com capital no Centro, e mais tarde luz boa (de Lisgoa) em direção às terras do Oriente, à procura da Agarta do Preste João: •LVX•PAX•LEX•gREX•
[Para mais desenvolvimentos, ver aqui.]
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